Luís Sobral é um homem muito incomodado com o Benfica. Tanto que sua maior predilecção parece ser dar lições de moralismo aos seus dirigentes e, por tabela, a todos quantos ousaram publicitar o que tais dirigentes fizeram ou disseram.
Ainda estamos bem lembrados da sua crónica sobre a arbitragem de Paulo Baptista, no Benfica-Braga, que classificou de “a mais medonha a que havia assistido na sua vida”. De meter dó!
Foi só esperar pela sua reacção face à arbitragem de Paulo Costa, no Braga-Porto, para perceber a sua tristeza e dor! Foi uma delícia a sua reacção a uma arbitragem que, segundo a sua bitola classificativa, não teve adjectivo que a qualificasse, tão pavorosa ela foi! Por isso, a sua reverência em relação a ela.
Luís Sobral, em outra croniqueta de sarjeta, vem classificar de «o absurdo do ano», ou ainda «provavelmente a ideia mais absurda do ano».
Luís Sobral entende que a pretensão do Benfica de que a Comissão Disciplinar da Liga castigue Lisandro e Bruno Alves, para além do «absurdo do ano», é uma tentativa de pressão, não só sobre aquela CD mas sobre toda a gente, Comissão de Arbitragem e árbitros.
Caritativo, o senhor Luís Sobral ofereceu-se para lhes aliviar o fardo …
Luís Sobral dita sua sabedoria, dizendo que o Benfica “não tem argumentos”, que “os argumentos são frágeis e distorcem de forma tão[1]evidente a letra e o espírito dos regulamentos».
Luís Sobral não menciona, todavia, quais são os argumentos do Benfica e muito menos como é que eles “distorcem a letra e o espírito dos tais regulamentos”. E distorcem, segundo a sua prosa, de forma tão evidente!
Para Luís Sobral, não é preciso fundamentar as suas “verdades”. Pensa que a sua palavra, escrita ou falada, é um dogma imaculado e, assim, pode mais facilmente mistificar a verdade dos factos!
Outra atitude que ressuma da sua escrita, bem explicitamente, é, repete-se, o seu moralismo. A “atitude” dos três jornais desportivos portugueses é, por exemplo, classificada por ele de muito grave, por terem feito «manchete com esta notícia»…uma vez que lhe estão a conferir «uma importância que não tem e a dar-lhe uma dimensão que semelhante absurdo obviamente não justificava».
E que dizer – e pensar – da sua frase «a médio e longo prazo perde o futebol, cada vez mais desacreditado por jogadas como estas»?
Não consegui ler, ou ouvir – talvez por defeito meu, que não ligo muita importância ao seu jornal e aos seus comentários – uma preocupação que se aproximasse, por mais leve que fosse, do moralismo que neste caso tão evidentemente expressa, relativamente às escutas telefónicas da corrupção desportiva nunca desmentida pelos telefonistas, ainda agora deitadas em parte para o lixo e tantas vezes tentadas silenciar por argumentos formais!
O Senhor Luís Sobral acha também que elas devem ir para o lixo porque não foram autorizadas por quem falou ao telefone? Ou o que foi dito ao telefone, e ouvido, é tudo uma fraca imaginação e seria preciso outra vez «muita imaginação»?
Mas vamos a aspectos mais concretos do seu “absurdo do ano”! Comecemos pela «letra dos regulamentos». Analisemos só um pouco o Regulamento Disciplinar da LPFP.
Artigo 1º
Definições
Para efeitos deste Regulamento, entende-se:
…
d) Agentes: os jogadores, … árbitros, …
Artigo 2º
Conceito de infracção disciplinar
1. Considera-se infracção disciplinar o facto voluntário praticado por … e demais agentes que violem os deveres …
Artigo 14º
Modalidade de infracção disciplinar
1 …
2. São puníveis a falta consumada e a tentativa.
3. Há tentativa quando o agente dá princípio de execução ao facto que constitui infracção e não se produz o resultado por causa que não seja a própria e voluntária desistência …
Artigo 120º
Das agressões
1. São punidas as agressões praticadas pelos jogadores contra:
….
Outros jogadores …
2. Os factos previstos … quando na forma de tentativa são punidos …
122º
Prática de jogo violento e outros comportamentos graves
1 …
a) Simulado de forma evidente[3] falta inexistente que conduza à marcação de pontapé da marca de grande penalidade a favor da sua equipa, com benefício para a sua equipa na atribuição final dos pontos em disputa;
…
é punido com pena de suspensão de …
3. O jogador que pratique as condutas previstas nas alíneas a), … , do número anterior, sem benefício para a sua equipa ou prejuízo para a equipa adversária na atribuição final dos pontos em disputa, é punido …
172º
Base das deliberações
1. A Comissão Disciplinar deliberará, tendo por base o … e todos os demais meios de prova em direito permitidos[4].
2. Por sua iniciativa … a Comissão Disciplinar socorrer-se-á, para a averiguação e qualificação das ocorrências e determinação dos seus autores, de quaisquer meios probatórios adequados.
…
5. … A Comissão Disciplinar actuará oficiosamente, nomeadamente[5] com recurso à prova de reprodução de imagem televisiva, nos seguintes casos:
a) Quando se verifique que a equipa de arbitragem não sancionou a conduta …
Vamos agora ao tal «espírito dos regulamentos».Comecemos mesmo pelo próprio Regulamento Disciplinar e vejamos o que nos diz o artigo
4º
Deveres
As pessoas e entidades sujeitas à observância das normas previstas neste Regulamento devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e rectidão …
Mas há mais!
Comecemos por dar uma espreitadela ao site da LPFP! Aqui encontramos um link “arbitragem e disciplina”. Abrindo-o, vemos escrito:
«Através das comissões de arbitragem e disciplina, a Liga assegura que as suas competições decorrem de acordo com as regras do futebol, promovendo a verdade desportiva no futebol profissional em Portugal».
Vamos agora até à Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto ainda em vigor e espreitemos o que diz o artigo 3º sob o título «Princípio da ética desportiva:
«1. A actividade desportiva é desenvolvida em observância da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva …»
Mas também o novo Regime Jurídico das Federações Desportivas contém preceitos de cariz semelhantes. Mencionemos apenas o seu artigo 53º:
«O regime disciplinar deve prever, designadamente, as seguintes matérias:
a) Sujeição dos agentes desportivos a deveres gerais e especiais de conduta que tutelem, designadamente, os valores da ética desportiva e da transparência e verdade das competições desportivas …»
Feito isto, gostaríamos muito que o senhor Luís Sobral nos explicasse em que é que os argumentos do Benfica «distorcem a letra e o espírito dos regulamentos» e, ainda para mais, «de forma tão evidente»!
Se são esses argumentos que distorcem essa letra e esse espírito, ou são a corrupção e a tentativa de certo clube já condenado, bem como o seu presidente, por terem usado de meios ilícitos para falsear a verdade desportiva.
O senhor Luís Sobral acha que também é ético, já não falo do mergulho de Lisandro, mas do coice que Bruno Alves tentou dar, em pleno palco desportivo e perante o olhar de milhões de pessoas?
Sinceramente, senhor Luís Sobral, acha mesmo que, com tais escritos, pode dar lições de moral a alguém?
Não sei, realmente, se estamos perante o «absurdo do ano», se do século!
Mas esse absurdo é o protagonizado pelo seu absurdo comentário opinativo!
[1] Todos os sublinhados são próprios.
[2] Luís Sobral, no seu «absurdo do ano» diz ipsis verbis «é evidente que Pedro Proença errou ao assinalar grande penalidade.
[3] Como se disse, a evidência é reconhecida pelo senhor Luís Sobral. E note-se que nem é necessário que haja benefício ou prejuízo.
[4] De acordo com o que dispõe o artigo 125º, do Código de Processo Penal, “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”. No artigo 126º-1 do mesmo diploma, “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas”.
[5] O emprego deste advérbio significa que o Regulamento apenas está a exemplificar o recurso a um meio de prova. Não é taxativo. Por isso, pergunta-se: porque foi tão criticado pela esmagadora dos “media” a prova apresentada pelo Benfica acerca da patada que o “cebola” deu à traição em Nuno Gomes? E por que não foi essa prova valorada pela CD?